Existe um limite para a edição de imagem em um retrato? Olá pessoas, eu sou Gilson Lorenti, fotógrafo, residente nas terras quentes de Presidente Prudente no interior de São Paulo, e essa é uma pergunta que me faço já há alguns anos. Acho que a primeira coisa que devemos saber é que toda foto precisa de uma edição. É nesse momento que os fotógrafos puristas vão invadir minha casa gritando que o fotógrafo de verdade consegue a foto perfeita direto da câmera, assim como o pessoal fazia na época do filme fotográfico. Esse pensamento possuí muitos equívocos.
Primeiro que o pessoal que fotografava com filme precisava revelar a foto no laboratório para poder ter acesso à imagem. O laboratório é que fazia toda a mágica acontecer fazendo acerto de luz e até de enquadramento e alguns fotógrafos nem sabiam que isso acontecia. Então, uma imagem perfeita era a junção do conhecimento do fotógrafo em conjunto com o conhecimento do operador do laboratório fotográfico. Uma coisa muito engraçada que acontecia, e muitos não sabiam o motivo, era quando fazíamos uma segunda cópia impressa de um negativo e as cores, contraste e até corte da imagem não eram iguais à primeira cópia. O negativo era o mesmo, mas a interpretação que o laboratório de revelação fez da foto era diferente.
Com o advento da fotografia digital, todo o processo ficou nas mãos do fotógrafo. Ele faz a foto e também faz a revelação do arquivo através de softwares de edição de imagem. Quando fotografamos em RAW esse processo é evidente, pois o RAW precisa ser revelado. Ele não é um arquivo de imagem. É apenas um conjunto de dados brutos. É necessário um software para interpretar esses dados e converter tudo em um arquivo de imagem. Já o pessoal que fotografa em JPEG com suas câmeras, ou smartphones, o processo de revelação é feito automaticamente pelo aparelho e este entrega um JPEG praticamente pronto. Então, você sabendo ou não, a imagem que você compartilha nas redes sociais sofre um processo de edição, seja automático ou manual.
Edição vs manipulação
Eu gosto de fazer essa diferenciação. Ela não vai ser encontrada nos livros de fotografia do jeito que eu explico, pois isso é coisa de minha cabeça. Edição é quando acertamos as características básicas de uma imagem, como contraste, saturação, exposição, brilho e cores, ou até uma conversão em preto e branco. Você não está mudando nada da estrutura de pixels da imagem, apenas evidenciando como cada pixel vai ser representado. Agora, quando você começa a mudar a estrutura, você entra no terreno da manipulação. Apagar uma árvore da sua paisagem, pessoas que estão no fundo ou, no caso do retrato feminino, tirar rugas, estrias e outras marcas no corpo da mulher, são mudanças drásticas e é necessário um bom conhecimento e habilidade nos softwares de edição para não acabar com um resultado que fique tão artificial que qualquer observador irá notar a sua intervenção.
A hiper-realidade da fotografia digital
Um fenômeno que vejo muito na minha carreira de fotógrafo de retratos femininos é um efeito que o fotógrafo Bob Wolfenson chamou de hiper-realidade na fotografia. Segundo ele, o fato de nossas câmeras terem uma resolução cada vez maior e de nossas lentes estarem mais nítidas, faz com que os retratos captem detalhes que o retratado não percebe normalmente ao se olhar no espelho. No caso das mulheres, elas percebem defeitos de pele que passam despercebidos no dia a dia. Tive uma cliente, já senhora, que ficou muito deprimida ao ver um retrato feito aqui no estúdio, e isso depois de eu já ter feito várias alterações no retrato, minimizando linhas de expressão.
Uma das máximas que gosto de repetir é que câmeras ruins deixam as pessoas mais bonitas. Sem boa resolução ou uma captura pobre de detalhes, a maior parte desses pequenos defeitos de pele nos retratos simplesmente não aparecem. Lembro de quando os primeiros celulares com câmeras fotográficas apareceram no mercado. Eles eram muito ruins e as fotos não possuíam nenhuma retenção de detalhes. Era comum as clientes ficarem tristes e dizerem que os seus celulares deixavam elas mais bonitas do que as fotos de nossas câmeras profissionais. Hoje os smartphones possuem boa qualidade de imagem, mas surgiram os filtros das redes sociais para dar uma turbinada nas fotos.
Assim como na época da fotografia analógica (sei que não é o termo correto, mas vou utilizá-lo para ficar em contraste com a fotografia digital), já utilizávamos truques para minimizar pequenos problemas de pele. Uma maquiagem profissional e muito bem feita (não é todo maquiador que sabe maquiar para uma sessão fotográfica), um leve desfoque na lente ou um pouco de superexposição na luz. Todos esses truques podem ser utilizados com o digital, mas se você quiser quebrar de vez esses defeitos perceptíveis, então um software de edição também vai ser necessário.
Padrão de beleza?
Essa discussão é velha. Todos sabemos que o padrão de beleza vigente é construído socialmente e ele muda conforme a moda e a publicidade. Sim, isso é verdade, mas independente do padrão de beleza uma coisa é perpétua na humanidade: a vaidade. Mesmo nos retratos pintados séculos atrás, onde a fotografia não era nem um sonho, ninguém queria ter uma representação considerada feia. O pintor tinha que agradar ao cliente e quem garante que não houve muita liberdade artística nos retratos e esculturas que hoje aceitamos como o registro de figuras históricas? Uma prova de que a vaidade é uma coisa inerente a nossa sociedade é que os retratos femininos mais editados e adulterados que temos são os da publicidade de produtos cosméticos. Empresas utilizam fotos irreais para vender o resultado de um produto real. Em uma análise mais profunda é o maior caso de propaganda enganosa que temos em nossa sociedade.
Em meu ramo de atuação eu faço, basicamente, ensaios fotográficos sensuais. Eu fotografo mulheres magras, gordas, altas, baixas, negras, brancas, orientais, jovens, meia idade ou senhoras com mais de 50 anos. Quando essa mulher toma coragem para fazer um ensaio desses, e eu digo que toda mulher tem esse sonho, é por que ela já aceita o seu corpo. Independente de existir ou não um padrão de beleza o que ela quer, acima de tudo, é se sentir bonita. Aliás, esse é o fator principal. A idade média de uma mulher que procura o ensaio fotográfico sensual é entre 35 e 40 anos de idade. Mulheres que já passaram por muita coisa na vida, já possuem família e nesse momento se tornaram mulheres decididas. O que ela quer é se sentir bonita, atraente, sensual e poderosa. Ela quer uma massagem no ego. Não importa o seu corpo ou o padrão de beleza. Ela quer se sentir bem e bonita do jeito que é.
Assim como uma representação artística de pintura em tela no passado, o fotógrafo também tem por missão fazer uma representação daquela mulher que está em seu estúdio. Ou apostamos na hiper-realidade da técnica da fotografia, ou interpretamos aquela pessoa, dirigindo tudo para o objetivo que ela quer alcançar. Mas, no fundo, quem manda é a cliente. Ela está pagando pelo serviço e ela decide tudo o que vai acontecer.
E como fica a manipulação?
Sim, nós retiramos pequenos defeitos e imperfeições da pele na pós-produção dos ensaios. Mas, quem decide o que é defeito ou imperfeição? A própria cliente, é claro. De minha parte, eu já elimino espinhas, machucados ou alergias, pois considero isso marcas temporárias da pessoa. Qualquer coisa mais profunda é conversado através da entrevista antes do ensaio. Lembrem-se, a pessoa não está comprando uma obra documental. Ela quer uma interpretação artística do seu corpo. Assim como toda arte vamos ressaltar o que é positivo e esconder o que é negativo (segunda a visão da cliente). E essa interpretação da mulher não é baseada, necessariamente, em padrões de beleza impostos pela sociedade, mas principalmente em suas vivências e traumas. Por exemplo, tive uma cliente complexada com os seios, pois o ex-marido passou anos dizendo que os seios dela eram feios. Aqui não foi uma questão de edição, mas de mostrar para ela que a interpretação de seu ex-companheiro era completamente equivocada.
Normalmente, o que acaba desaparecendo na edição são estrias, celulite e olheiras. O desafio é eliminar as imperfeições e não destruir a textura da pele e, acima de tudo, fazer com que sua cliente ainda se reconheça nas imagens. Então tem de existir um grande equilíbrio. Eu sou da opinião de que o fotógrafo deve tentar resolver a maior parte dos problemas na hora de fazer a foto. Sempre trabalhar com um bom maquiador, saber controlar a profundidade de campo e ter controle absoluto sobre o direcionamento da luz. Fotografar é mais divertido do que editar, então perca mais tempo nessa hora para planejar.
Agora, existem clientes que querem alterações extremas. Tamanho do nariz, formato dos olhos, tamanho do seio, coxas, quadril. Eu faço esse tipo de mudança? Sim, faço. Mas, antes tento mostrar que não é necessário para mostrar sua beleza. Em último caso, se a cliente não concorda comigo, acabo fazendo o que vai deixar a modelo satisfeita. Mas, isso é 5% do total de ensaios.
Finalizando
Não existe fotografia que expresse a realidade. Fora a questão da edição, também temos a questão do olhar do fotógrafo. A fotografia expressa aquilo o que vejo, mas o que vejo depende de quem eu sou. Então, a edição e a manipulação fazem parte da arte fotográfica e da arte em geral. No fim, um retrato é apenas a interpretação de uma pessoa através do olhar de um fotógrafo. O caminho certo é você estudar edição de imagem e os softwares envolvidos. Treinar muito e desenvolver um estilo próprio. E sempre ouça a opinião de sua cliente. Esse é o ponto mais importante.
_____________________________________
Quer dar uma ajuda para este que aqui escreve continuar seus projetos? Sua contribuição pode garantir e aumentar todo o conteúdo produzido.
Você pode:
1º Apoiar de forma permanente o nosso Projeto do Padrim;
2º Enviar uma pequena contribuição através do:
Pix – gilsonlorenti@gmail.com
Picpay – @gilson.lorenti
Próximos investimentos planejados:
Interface de áudio e dois microfones para gravações presenciais dos podcasts.
Acesse nossos Canais