E nessa semana tivemos as primeiras apresentações de Taylor Swift em território nacional. A loira norte americana chegou em terras tupiniquins para fazer 6 apresentações do The Eras Tour. Sinceramente, eu sabia que a cantora existia por conta de uma música que ouvi uns 10 anos atrás (Shake it Off), mas não imaginava que ela tivesse uma quantidade gigantesca de fãs no Brasil. A imprensa nacional noticiou que 60 mil pessoas compareceram ao primeiro show da cantora no dia 17 de novembro no Rio de Janeiro.
As apresentações da cantora vão repercutir por muitos anos aqui no Brasil, mas não creio que pelo motivo que todos gostariam. Durante o primeiro show da turnê, no dia 17 de novembro no estádio Nilton Santos, o Engenhão, a universitária Ana Clara Benevides passou mal durante o show, foi atendida, mas foi declarada morta com parada cárdiorrespiratória no hospital. O dia estava muito quente e o acesso à água dentro do estádio era limitada. No dia 19 de novembro outro fã da cantora perdeu a vida no Rio de Janeiro. Gabriel Mongenot de 25 anos estava dormindo na praia de Copacabana e foi morto em uma tentativa de assalto. Agora, um terceiro óbito está sendo investigado. Um jovem de 23 anos foi encontrado perto do estádio depois do show do dia 20 também com parada cardiorrespiratória. Foi encaminhado ao hospital, mas não resistiu.
Como toda vez que um assunto polêmico toma conta dos noticiários, o Brasileiro se torna especialista em várias coisas aleatórias para fazer valer o seu ponto de vista. Mas, como em tudo na vida, existem diferentes interpretações para todos os fatos.
O primeiro, e vou ser bem claro nisso, um show para 60 mil pessoas é um inferno na terra. Tudo é ruim. Quanto mais pop e estrela é o artista em questão, pior vão ser as coisas. As pessoas chegam muito antes na fila e passam horas no sol. Quando os portões abrem, geralmente umas 10 horas antes do show, você tem que sair correndo para pegar um bom lugar. Depois que você pega esse lugar é impossível sair de lá para fazer qualquer outra coisa que não seja esperar no sol junto a outras milhares de pessoas. Difícil ir ao banheiro, beber água ou comer, com risco de não conseguir voltar até a sua posição privilegiada em relação ao palco. Sem falar que geralmente você não vê naa direito e a qualidade do som é quase sempre ruim. Junte a tudo isso o fato de estarmos entrando na época mais quente do ano e de a temperatura estar sendo turbinada por fatores climáticos adversos. Ou seja, um cenário desesperador. Quem está acostumado a participar de festivais acaba sabendo o que vai encontrar e como se portar, mas grande parte desse público não conhece essa realidade e vai enfrentar essa maluquice pela primeira vez.
Muitos acusam a produtora de não deixar os fãs entrem com garrafas de água no estádio, mas existe um motivo para isso. Garrafas cheias podem ser utilizadas como armas (isso já aconteceu) além do fato de pessoas mal-intencionadas poderem entrar com outros líquidos, até materiais inflamáveis. Já existem os que pedem que leis sejam criadas para fornecer água dentro dos estádios. Fico feliz em quem resolver a logística de distribuição de água para 60 mil pessoas trancadas em um barril (o estádio). Por fim, muitos reclamam que dentro do estádio os preços de venda de água eram abusivos. Mas, isso meu amigo, é o capitalismo. Isso já acontece desde que o Brasil se tornou rota dos grandes shows e também acontece nos rodeios de cidades de interior. Mas, não quer dizer que não tenha solução. O ser humano conseguiu colocar um robô para explorar Marte, então é possível chegar até uma resolução para isso. Mas, as resoluções passam pelo poder público impondo regras, uma coisa que todo mundo reclama.
Se as mudanças climáticas e o aumento da temperatura em alguns momentos do ano se tornarem permanentes, o mais sensato é proibir grandes eventos nesses momentos e que o número de pessoas aglomeradas passe por regulamentação e em locais adequados à saúde humana. Uma menor quantidade de pessoas também resolve a logística de uso de sanitários e distribuição de água. Passamos mais de 20 anos dizendo que as mudanças climáticas e o aquecimento global trariam mudanças e adaptações. Poucos ligaram e agora esse momento chegou.
Quanto às mortes de fãs, nada vai acontecer. A legislação brasileira é extremamente falha em relação a isso e as indenizações por erros são uma piada. É muito mais lucrativo para as empresas fazerem tudo errado e depois arcarem com as consequências do que gastarem dinheiro para fazerem tudo certo.
A empresa responsável pelo evento, a T4F, é culpada pela primeira morte? Talvez não, levando em conta todos os fatores envolvidos, mas ela poderia estar muito mais preparada para qualquer eventualidade. Em um local onde eu coloco 60 mil pessoas a possibilidade de dar algum problema é muito grande. Medidas de contingência são possíveis, ter uma equipe médica com UTI móvel seria o mínimo. Se nada disso estava disponível abre brecha para um processo por negligência, mas levando em conta a nossa legislação, vai ser um trocado comparado com o que a empresa ganhou.
O fato de Taylor Swifit estar fingindo demência e não ter feito declarações mais contundentes, ou de apoio aos fãs que perderam a vida, levanta uma dúvida interessante. Existe a possibilidade de que os contratos da turnê brasileira tenham sido assinados mediante a Lei Americana. Toda vez que assinamos um contrato elegemos nele um local onde os desacordos serão resolvidos. Se esse contrato for redigido pela Lei Americana existe um grande perigo, pois as indenizações americanas são milionárias e nesse caso a cantora quer distância de tudo para não ser acusada de participação.
Em 2022, Alex Jones, famoso podcaster americano, foi condenado a pagar uma indenização de US$ 1 Bilhão de dólares por dizer em um de seus programas que um ataque à escola Sandy Hook era uma farsa montada para que o governo proibisse o porte de armas. Em 2016, o ex lutador Hulk Hoogan conseguiu uma indenização de US$ 125 milhões de dólares contra a Gawker Mídia (que abriu falência e foi leiloada por conta disso) por publicar em seu site um vídeo do lutador fazendo sexo. Porém, são processos caros e com uma longa duração. A fotógrafa Lynn Goldsmith foi processada pela Fundação Andy Warhol por declarar que uma das obras do falecido artista violava direitos autorais. A batalha judicial durou 7 anos e custou para a fotógrafa a quantia de US$ 2,5 milhões em honorários de advogados. Ela venceu, mas teve que gastar todo esse dinheiro e praticamente foi à falência.
De qualquer forma, a passagem de Taylor Swifit pelo Brasil vai deixar esse gosto amargo na memória das pessoas. Talvez a tragédia pudesse ser evitada com mais planejamento e mais responsabilidade da produtora, mas a justiça não vai fazer nada (vide o caso da boate Kiss que matou mais de 200 pessoas e 10 anos depois nada foi feito) e se fizer vai gerar apenas uma indenização minúscula. A única coisa positiva em relação às tragédias é podermos pensar e aprimorar a legislação, o planejamento dos show e fazer com que as pessoas possam se divertir de uma maneira mais segura.