Uma coisa que temos hoje em defesa do trabalho autoral é uma legislação forte e bem construída. Não somente autores de música, fotografia, filmes, livros, pinturas ou qualquer outra coisa que dependa da criatividade humana estão protegidos, mas também o próprio indivíduo tem direito sobre sua própria imagem. Eu não posso fotografar uma pessoa na rua e comercializar sua imagem para uma propaganda sem as devidas autorizações e pagamentos. Assim como também não posso utilizar a imagem de menores de idade para fins comerciais sem a autorização dos pais e da justiça. Todas essas garantias surgiram no Brasil depois da Constituição de 1988 (que criou a proteção ao direito de imagem) e de outras leis específicas. Então, nos dias de hoje, casos como o narrado abaixo não aconteceriam mais, ou se acontecessem teriam um julgamento rápido e definitivo.
Na década de 70, o fotógrafo pernambucano Cafi estava passeando em uma zona rural de Nova Friburgo no Rio de Janeiro a caminho da fazenda de Ronaldo Bastos (que viria a ser letrista do disco do Clube da Esquina) quando viu dois meninos sentados na estrada de terra e fez uma foto para eternizar o momento. Algum tempo depois, ele vendeu essa imagem ao amigo Bastos que cedeu para a EMI utilizar na capa do disco Clube da Esquina, que reuniu diversas composições interpretadas por Milton Nascimento, Lô Borges e convidados. O disco foi um enorme sucesso de vendas e deu início a todo um movimento na música popular brasileira. Infelizmente, a indústria fonográfica brasileira não mantém números sobre a quantidade de discos vendidos dessa obra.
E, 40 anos depois, Cacau (Antônio Carlos Rosa de Oliveira) e Tonho (José Antônio Rimes) foram encontrados pela repórter Ana Clara Brant e o fotógrafo Túlio Santos em 2012, quando o jornal Estado de Minas publicou a reportagem “Meninos do Clube”. Os dois ficaram surpresos, pois não sabiam da existência da foto e nem que havia sido utilizada de maneira comercial. Agora estão processando a EMI e os cantores Milton Nascimento e Lô Borges e pedem uma quantia de 500 mil reais por uso comercial e dano moral. Um rolo jurídico, já que naquela época não existiam as leis que temos hoje em relação a direito de imagem, direito autoral e nem a questão de utilizar a imagem de dois menores de idade sem o consentimento dos pais.
Lô Borges e Milton Nascimento foram contratados pela EMI para interpretar as canções no disco, que foi lançado em 1972. Muito depois disso, a EMI foi comprada pela Universal. Muito tempo depois a Editora Abril reeditou o Clube da Esquina em CD em uma coleção dedicada à música popular brasileira. O que importa nessa história toda é que todo mundo afirma não ter culpa dentro do processo e que cada um só fez sua parte. A EMI diz que recebeu as fotos e apenas publicou, os cantores que foram apenas contratados para cantar e a Editora Abril que recebeu todas as autorizações de publicação da Universal. E para piorar a situação o fotógrafo que fez a foto morreu no começo de 2019.
Infelizmente esse é um caso que não vai andar muito. Para começar seria um crime que já está prescrito, uma vez que se passou 40 anos do ocorrido. Outro ponto é que na década de 1970 não existiam as garantias que temos hoje de proteção de direitos de uso de imagem. Mas, é um caso interessante para constatarmos como evoluímos muito na questão de definições do que são os direitos de autor e de imagem.
É possível comprar as versões em LP e CD do Clube da Esquina no Mercado Livre por preços bem salgados. Você também pode ouvir no Spotify ou no Youtube.