Uma coisa legal na atual polarização política que o Brasil atravessa é a discussão absurda sobre liberdade de expressão. O povo que acha normal defender ideias nazistas diz que toda forma de pensamento deve ter sua liberdade. Eu também acredito nisso, mas essa galera quer liberdade sem consequência. Quando a polícia federal bate na porta do alecrim dourado ele brada por censura. Ou seja, não tem como ganhar essa discussão. Essa galera da liberdade de expressão sem limites sempre cita os Estados Unidos como representante máximo dessa liberdade. Mas, uma coisa que ninguém lembra é que nos Estados Unidos a consequência pesa no bolso e não necessariamente na cadeia. Ações por calunia e difamação podem levar grandes empresas à falência. E no caso do cidadão comum as indenizações são igualmente destruidoras. Cabe lembrar aqui o caso do radialista Alex Jones que foi condenado a pagar quase US$ 1 bilhão de indenização por ter afirmado que o massacre ocorrido na escola primária de Sandy Hook, em 2012, havia sido uma farsa. Imagino as fake news atuais do Brasil sendo julgadas em tribunais americanos.
Mas, essa cultura das indenizações gigantescas nos Estados Unidos não são exclusivas de casos de calúnia. Os direitos autorais também tendem a custar muita grana para quem utiliza obra intelectual indevidamente. O caso mais recente é a foto de um pombo que rendeu uma indenização de US$ 1,2 milhões. A história é bem enrolada e, do ponto de vista de quem trabalha com direito autoral, bem engraçada por conta de alguns detalhes.
Em 1999 a empresa Bird B Gone (que trabalha com equipamentos e produtos destinados a espantar pássaros de plantações) contratou o fotógrafo Dennis Fugnetti para produzir fotos e materiais publicitários para a empresa. Nesse período o fotógrafo fez a foto de um pombo em pleno voo que foi utilizada como rótulo de vários produtos da empresa. Em 2003 a Bird B Gone decidiu dispensar os trabalhos de foto e publicidade de Fugnetti e realizar esse trabalho internamente (deve ter contratado o sobrinho do dono da empresa). Porém, e sem o conhecimento ou permissão do fotógrafo, a imagem do pombo continuou a ser utilizada como carro chefe na propaganda da empresa. E aqui vem a parte engraçada da história (ou triste, depende do ponto de vista). Em 2017 a empresa tentou transformar a foto do pombo voador em uma marca registrada legalmente. E para finalizar o processo de registro era necessário informar a data em que a foto foi feita. Para obter essa informação a empresa mandou um e-mail para o fotógrafo perguntando essa informação e contando o motivo.
Claro que a coisa ficou complexa, pois Fugnetti não sabia que seu material continuou sendo utilizado pela Bird B Gone mesmo depois do término de sua relação comercial. Em 2019 o fotógrafo entrou com uma ação contra a empresa pedindo ressarcimento comercial por todos os anos em que a foto foi utilizada sem a sua autorização. A Bird B Gone entrou em desespero e agiu como quase toda empresa e destruiu todas as embalagens e material de marketing onde a imagem aparecia. Mas, ao que parece, um júri da corte federal de Los Angeles não foi enganado por essa decisão e condenou a Bird B Gone a pagar uma indenização de US$ 1,2 milhões para o fotógrafo. Infelizmente, Fugnetti morreu em 2019 pouco depois de entrar com o processo, então toda essa grana vai ficar para sua filha, que ficou bem surpresa com o valor da indenização.
Claro que a empresa diz que a decisão foi injusta e os advogados afirmam que vão tentar cancelar a indenização, mas esse é um dos motivos para Direitos Autorais serem levados tão a sério nos Estados Unidos. Um processo desses pode destruir uma empresa. Tudo por conta da foto de um pombo que seria comprada muito barato do fotógrafo se a empresa fizesse uma proposta ao fim de sua relação comercial. No Brasil, um processo igual, daria no máximo um puxão de orelha na empresa e uma indenização que seria suficiente apenas para pagar um jantar em uma churrascaria.
Fonte: Petapixel