Em janeiro de 1997, eu estava em um encontro de estudantes de geografia em Uberlândia (MG) e, ao passear por um dos shoppings da cidade, acabei entrando em uma loja de CDs (sim crianças, elas existiam). Saí de lá com dois discos. Um era o Saturday Morning Cartoon Greatest Hits (várias bandas de pop rock tocando temas de antigos desenhos animados) e o outro era o Holy Land do Angra. E já se vão 25 anos que esse disco foi lançado, provando que a música pode se manter relevante mesmo depois de décadas.
O Angra é uma banda interessante. André Matos, primeiro vocalista do grupo, já era conhecido e possuía uma carreira curta, porém bem estruturada, junto com a banda Viper (1985-1990). Todo mundo sabia que André Matos tinha um talento absurdo e um grande futuro dentro da música. Uma coisa que sempre falo é que, dentro de um estilo musical onde todos os cantores possuem um timbre de voz muito parecido, a voz do André era prontamente reconhecida em qualquer audição pelo fato de ser bem característica. Existe uma lenda que diz que os empresários do Angra possuíam o André como vocalista e partiram a procura de membros para fazer parte do projeto. Ou seja, uma banda que foi planejada e construída. Claro que os membros que fizeram parte da primeira formação negam isso e afirmam que tudo nasceu de forma espontânea, mas negócios são negócios.
O primeiro disco, Angels Cry (1993), não trouxe nada de novo. O bom e velho Heavy Metal Ultra Melódico. Porém, não se enganem, é um disco estupendo. Trouxe várias músicas que hoje são clássicos da música pesada brasileira, mas não surpreendeu. Digamos que eles fizeram algo que era esperado de músicos tão competentes. Mas Holy Land foi um verdadeiro tapa na cara.
A ideia foi simples e nada inovadora (visto que discos conceituais, focados em uma única história, são normais no mundo do rock). Um disco conceitual contando a história do descobrimento do Brasil. E para isso vamos misturar Heavy Metal Melódico, um pouco de música erudita, algumas orquestrações clássicas e uma pitada de folclore e música regional brasileira. O resultado? Um puta disco de Heavy Metal que pode ser classificado, tranquilamente, como um dos melhores já feito em terras brasileiras. São 10 faixas em 56 minutos de música que poderíamos chamar de um bom exemplo de Metal Progressivo.
O disco começa com uma introdução clássica com um coral que, nada mais é, do que uma missa de Giovanni Pierluigi da Palestrina. Logo em seguida vem a pedrada Nothing to Say mostrando um peso e técnica muito interessantes, porém o disco desacelera depois dela e temos a belíssima Silence and Distance. A quarta música, intitulada Carolina IV, é a mais ousada do disco. Ela começa com uma batucada digna de qualquer grupo da Bahia e passa por guitarras, música clássica brasileira e várias “homenagens”. A composição dura 10 minutos, mas parece ser bem mais curta.
O disco prossegue com Holy Land com ritmo calmo e com uma grande dose de influência de música brasileira regional na composição. Aliás, a maior crítica ao disco é que ele possui muitas músicas lentas. E é verdade. A próxima música, The Shaman é a mais fraca do disco, mas é logo seguida por Make Believe, cujo clipe foi indicado ao MTV Video Music Awards de 1997. A música Z.I.T.O. volta a dar um gás ao disco com um pouco de velocidade, e terminamos com mais duas baladas, Deep Blue e Lullaby for Lucifer.
O disco recebeu pesadíssimas críticas na época, principalmente pela quantidade de baladas, a inserção dos batuques característicos da música brasileira e por não ser considerado, necessariamente, um disco de Heavy Metal. Ou seja, mimizentos existem em qualquer época. Holy Land foi um marco. Mostrou que era possível executar uma obra musical com qualidade técnica e influências brasileiras dentro do Heavy Metal e sem perder o objetivo final. Tamanha ousadia conferiu ao disco uma identidade indiscutível.
Infelizmente, as críticas pesaram sobre o grupo. Mesmo sendo disco de ouro no Japão, Holy Land não teve o impacto desejado e o disco seguinte do grupo, Fireworks (lançado em 1998) voltou a executar um Heavy Metal mais genérico, mais igualzinho a centenas de outras bandas. Também cabe lembrar que ao final da turnê de Holy Land o relacionamento de André Matos com os outro membros da banda estava muito abalado. Ele queria sair do grupo, mas foi convencido a ficar e gravar o próximo disco. Quem conhecia o vocalista sabia que Holy Land é uma criação particular de todas suas influências. Ele foi responsável pela composição de grande parte do material do disco. Infelizmente, ao que parece, o coração não estava mais na banda quando o terceiro álbum foi lançado.
Destaque para a capa do CD que se desdobrava e formava uma carta náutica do início da era das navegações. Aliás, esse encarte gigantesco que se desdobra é o motivo de eu ter tirado esse encarte da capa do CD apenas 2 vezes em 25 anos. Junto com André Matos (Vocais) faziam parte do Angra Rafael Bittencourt (guitarra), Kiko Loureiro (Guitarra), Luis Mariutti (Baixo) e Ricardo Confessori (bateria).