Direitos Autorais e IA, essa é uma disputa que não começou agora, mas parece ter tido um capítulo definitivo, pelo menos por enquanto. Mas, antes de entrar nessa nova decisão judicial, vamos lembrar um caso mais antigo, que começou de forma tranquila em 2011 e se desenrolou de forma brutal ao longo daquela década. Em 2011, o fotógrafo David Slater, viajou até Sulawesi, uma ilha na Indonésia, e passou três dias fotografando os macacos-de-crista da reserva de Tangkoko. Para quem não tem familiaridade com esse tipo de trabalho, geralmente o fotógrafo faz o investimento para executar a viagem, e depois tenta recuperar o investimento e ter um lucro com a venda das fotos que são executadas. Nessa viagem, Slater deixou a câmera montada em um tripé, esperando que algum dos macacos se aproximasse para fazer uma boa foto. Reza a lenda que o macaco, de nome Naruto, se aproximou, olhou para a câmera e ao mexer no equipamento acionou o disparador e fez uma selfie. A foto que foi feita é a que está representada abaixo.
Um grande registro de fotografia de natureza. Slater começou a comercializar a foto, mas um tempo depois viu cópias de imagem em sites como a Wikipedia. Ao pedir que a foto fosse retirada dos sites ele recebeu a resposta de que o autor da foto era o macaco e não ele e, por essa razão, ele não teria direitos autorais sobre a foto. O fotógrafo pensou em processar os sites por uso indevido da imagem, mas antes de colocar esse plano em prática ele recebeu um processo do PETA (organização que defende um tratamento mais ético para os animais) dizendo que o autor da foto era o macaco identificado como Naruto e que todo o lucro obtido com a venda dessas fotos deveria ir para o macaco e ajudar no trabalho de conservação da espécie. Pode parecer algo ridículo, mas o processo se estendeu por quase 10 anos.
Slater mora na Inglaterra e o processo aconteceu nos Estados Unidos. Hoje o fotógrafo alega que está completamente falido, pois os custos dos advogados e deslocamentos até o tribunal drenaram todas suas economias. Ao longo de todas as instancias que o processo correu, todos os juízes americanos não deram ganho de causa para o PETA, pois para a lei do país é necessário que haja envolvimento humano na criação da obra, seja pintura, fotografia, poesia ou qualquer outra manifestação artística. Porém, não quer dizer que o fotógrafo tenha ganhado, pois como foi o macaco quem fez a foto, e ele não tem possibilidade de ter seu direito autoral garantido, também não foi Slater quem fez a foto e, dessa forma, ele também não é o autor da imagem. Infelizmente, o processo não chegou a uma decisão judicial final. Tanto Slater quanto o PETA chegaram a um acordo: o fotógrafo doará 25% da renda futura gerada pela foto para organizações que protegem Naruto e outros macacos-de-crista da Indonésia.
Porém, imagino o que poderia acontecer se um juiz decidisse em favor do macaco. Se Naruto fosse o autor como se daria o pagamento dos lucros? Se ele morrer quem fica com os direitos? Seria um grande rolo judicial, mas eu fico feliz que um juiz não tenha tido essa ideia de gênio.
Agora. cortamos para o momento atual, onde a Inteligência Artificial (IA) está dominando as atenções e gerando imagens do nada através de prompts de comando. Em 2018, Stephen Thaler, executivo-chefe de uma empresa de redes neurais, fez um pedido de registro de direitos autorais para a imagem A Recent Entrance to Paradise – que foi “criada de forma autônoma por um algoritmo de computador executado em uma máquina” – com o sistema de IA listado como o único autor. O US Copyright Office negou o registro se fundamentando na lei que diz ser necessário o envolvimento de mãos humanas, nem que seja parcialmente, para a criação da obra com autoria. Claro que Thaler não gostou e entrou na justiça para garantir esse direito.
Casos diferentes, mas o mesmo problema. Aqui também não existiu a interação humana para a produção de uma imagem artística. O interessante é que o advogado de Thaler jogou uma comparação interessante. Ele afirmou que o computador que gerou a imagem não é diferente de uma câmera fotográfica. A câmera capta a imagem e cria uma representação digital da imagem e mesmo assim o fotógrafo tem direito de autor para com a imagem.
O caso foi julgado pela corte federal e a juíza distrital dos EUA Beryl Howell deu seu parecer favorável ao entendimento de que obras criadas através de IA não são passíveis de registro ou possuem direitos autorais. Segundo a juíza, levando em conta o paralelo criado com a câmera fotográfica: “Embora as câmeras gerassem uma reprodução mecânica de uma cena, ela explicou que elas o fazem somente depois que um ser humano desenvolve uma ‘concepção mental’ da foto, que é um produto de decisões como a posição do sujeito, arranjos e iluminação, entre outras opções.”
Agora estamos em um grande problema. Se obras criadas por IA não são passíveis de direitos autorias, então tudo o que é criado por elas será considerado de domínio público? Esse era o entendimento que a maioria dos advogados tiveram no caso do macaco Naruto. Se a obra não pertence a ninguém, então ela pertence a todos. Como fica então o caso de empresas que estão utilizando a IA para criarem trabalhos de design, gravuras e fotos para outras empresas? Tudo isso não tem proteção autoral? Pode ser utilizado por qualquer um? Será que chegamos na realidade onde o que está na internet não pertence a ninguém?
Aqui termina uma capítulo dessa história, mas outros irão começar. Provavelmente logo teremos legislações específicas regulamentando e gerenciando a questão de imagens criadas por IA, pelo menos para dar alguma proteção ao material produzido. Mas, não podemos negar que estamos vivendo em um momento bem divertido do desenvolvimento da tecnologia.
Fonte: Digital Camera World
Se interessou pelo assunto? Já gravei um podcast com o Carlos Cardoso sobre o tema (clicando aqui) e um vídeo para o nosso canal no Youtube falando da relação entre IA e fotografia para o futuro.