E as pessoas começam a descobrir que a música é um negócio e que contos de fadas não existem quando dinheiro está envolvido. Uma polêmica correu pelo twitter nos últimos dias onde dados divulgados por Rob Jonas, CEO da Luminate, o monitor do mercado de entretenimento e provedor de insights que já foi conhecido como MRC Data e Nielsen Music. (Você pode ouvir a apresentação completa do Jonas no SXSW aqui ), provocaram comoção em algumas pessoas. Os dados que vamos comentar estão na imagem abaixo.
Isso mesmo, 67 milhões de músicas que estão disponíveis nos serviços de streaming, o que corresponde a 42% dos arquivos na nuvem, tiveram menos de 10 reproduções em 2022. Dessas, 38 milhões de faixas não tiveram nenhuma execução em 2022. Por conta dessa notícia começou a circular uma fake news de que o Spotify teria planos de retirar essas músicas do serviço ou que cobraria para manter esses arquivos em seus servidores. Tudo mentira que partiu de um texto do Music Business que fez uma comparação entre o Spotify e a atual gerência do twitter onde tudo tem que ser capitalizado.
Mas, a parte que mais legal foram algumas pessoas defendendo no twitter que seria péssimo para a memória da cultura mundial se essas músicas fossem deletadas dos serviços de streaming. Bem, então vamos lá. Música é negócio. E esse negócio é gerenciado por lucros e acordos de direitos autorais. Músicas entram e saem do catálogo dos serviços de streaming todos os dias. E discos chegam a ser mutilados por conta desses contratos de direitos autorais. Isso sempre aconteceu e conto um pouco disso nesse vídeo que gravei para o youtube.
Em segundo lugar, nem todas as músicas que foram feitas no mundo estão disponíveis nos serviços de streaming. Nós que gostamos de música sabemos que tem muita coisa fora dos serviços e algumas que nunca estarão, justamente por conta da questão dos contratos e dos direitos autorais. E em terceiro lugar, tem muita música ruim no mundo e essas não serão ouvidas nem por conta da necessidade de manter a memória cultural da sociedade. Acredito que um projeto para manter a memória do áudio é uma coisa importante, mas fico pensando no custo de digitalizar e manter todas as músicas que já foram feitas ou gravadas nos mais diversos formatos. Empresa nenhuma iria bancar isso, pois gera custos e quase nenhum lucro. Fica ai a responsabilidade para órgãos públicos ligados a questão da conservação da memória. O museu aqui da minha cidade, mantido pela Secretaria de Cultura Municipal, mantem um acervo de discos de vinil e fotografias. Aposto que tem muita cidade com esse tipo de serviço e precisando de apoio e voluntários para manter a conservação.
E, por fim, o mercado de música pode ter mudado muito nas últimas décadas, por conta da digitalização das músicas (aliás, recomendo muito o livro Como a Musica ficou Grátis do Stephen Witt), mas no fundo o negócio continua o mesmo. Antes do MP3 uma banda ralava muito para conseguir um contrato com uma gravadora. Com isso a banda, ou artista, conseguia dinheiro para pagar a gravação em um estúdio e depois tinha a propaganda do álbum, distribuição para todos os lugares do Brasil, gravação de um videoclipe (que poderia passar no Fantástico) e, se tivesse muito potencial de vendas, um jabá nas rádios mais importantes. Era a fórmula do sucesso.
Muitos prometeram que o atual momento da música digital poderia deixar qualquer um famoso ao quebrar as pernas das gravadoras. Hoje é possível gravar música com qualidade no seu notebook e com preço bem acessível. Você pode montar a arte do disco, toda a identidade visual e ter o seu álbum disponível no youtube e nos serviços de streaming por preço zero. E mesmo assim ninguém ouve o seu trabalho, ou a penetração é muito pequena. Conhecemos algumas bandas brasileiras, como Angra, o Shaman e a carreira solo do Edu Falaschi, que passaram a bancar a gravação e lançamento de seus discos, mas o lucro vem de objetivos que estão a venda, como CDs, camisetas e uma infinidade de memorabilia.
Hoje uma gravadora ainda é importante para o sucesso, pois ela consegue bancar divulgação e inserir você nas principais playlists dos serviços de streaming. O jabá saiu da rádio (mas ainda existe, já que muita gente ouve rádio ainda) e foi para os serviços de streaming. Então não existe conto de fadas. A indústria é um negócio e é um negócio cruel.