Essa semana passei por um momento de reviver de forma séria o passado. E tudo isso por conta de uma postagem no Twitter. A mensagem ,de uma pessoa que não sigo, apareceu em minha linha do tempo. O motivo é ter sido compartilhada por uma das pessoas que sou seguidor. Era uma postagem que tinha tudo a ver com a polarização política que nosso país enfrenta. Para dar prosseguimento nesse texto vou colocar a postagem abaixo (já que é um perfil aberto e sem limitações de visualização, então não vou esconder o nome do autor):
Essa postagem causou tamanha revolta em meu ser que, mesmo sem seguir a criatura, postei a resposta abaixo:
As respostas a esse meu desabafo vão de condolências, apoio e pessoas me agredindo por dizer que o amado “Capitão” é culpado por toda a crise causada pela doença. E ele é sim. Em dezembro de 2020 já havia a possibilidade de ter a vacina, e ela foi oferecida ao nosso governo. O “Presidente” de nosso país dizia que a pressa da vacina não se justificava, que era apenas uma gripezinha, que a população deveria tomar remédios de eficácia não comprovada e que tudo daria certo. Enquanto isso, mais de 2 mil pessoas morriam por dia em um país que concentra 11% das vítimas fatais da doença no mundo (estamos em segundo lugar). Pior, mesmo não ligando para as milhares de mortes (quase 700 mil) o dito líder do país ainda fazia piada com as pessoas com falta de ar. Desumano e inconsequente.
Em um quinta feira do mês de abril de 2021 meu irmão Fábio, que morava junto com meu pai, me ligou no período da noite. Nosso pai não estava bem, com fraqueza nas pernas e mal estar. Levamos ele até um posto de saúde. Ele se recusou a ir até a Santa Casa (melhor hospital da cidade) por estar completamente lotado por vítimas do covid. No posto de saúde, também lotado, o atendente indicou que seria a volta de uma infecção urinária que havia acometido nosso pai algumas semanas antes. Foi medicado e mandado de volta para casa. Não foi feito teste para Covid. Nessa noite dormi com eles na casa para ajudar a cuidar de nosso pai, que tinha dificuldades para se levantar sozinho. Na sexta-feira fui trabalhar normalmente e, como meu pai não melhorava e meu irmão começou a a presentar falta de ar, eles compraram um teste particular de covid que deu positivo.
No sábado de manhã, por conta da piora de meu pai, o levamos para a Santa Casa onde constataram que 60% do pulmão estava tomado pela doença e ele ficou internado. No sábado a tarde foi a vez de meu irmão ir para o hospital e ficar internado. Nesse momento a família toda já sabia que estávamos com covid, pois convivemos com eles antes do teste positivo. Eu, minha esposa e minha mãe já estávamos com a doença, mas ainda sem sintomas. No domingo eu passei a noite com meu pai, pois ele tinha 70 anos, e idosos precisavam de um acompanhante. Foi para mim que o médico disse, na manhã de segunda feira, que meu pai precisaria se entubado, pois a saturação de oxigênio estava muito baixa. Lembro que antes de ele ser levado para a sala de emergência eu dei um beijo em sua testa e disse que logo estaríamos juntos.
Na terça feira, meu irmão estava em outro hospital e recebeu a notícia de que também precisaria ser entubado. O procedimento aconteceria na terça a noite. Ele estava consciente e ainda mandava mensagens pelo whatsapp. Não eram permitidas visitas, então essa era a única forma de comunicação. O hospital ligava todos os dias para passar um boletim médico de meu pai. Estava estável, mas começou a apresentar febre. Na quarta feira de manhã o hospital onde estava meu irmão ligou para mim e pediu para ir até lá. Pensei que era para pegar as coisas particulares dele, pois na UTi não poderia ficar nenhum objeto pessoal dele. Foi assim com meu pai. Quando cheguei, a médica me chamou em um canto e me informou que meu irmão teve uma parada cardíaca durante a entubação e não tinha sobrevivido. O mundo desabou ali naquele momento e sinceramente as coisas parecem um sonho para mim desde esse momento. Fui ao necrotério para reconhecer o corpo e aquela pessoa tão amada por mim estava lá deitada em uma mesa e já totalmente embalado com plástico (protocolos do covid). Coloquei a mão em seu peito e me despedi com lágrimas. Fábio Henrique Lorenti de 42 anos, meu irmão, tinha me deixado.
A coisa mais difícil que fiz em minha vida foi dar essa notícia para minha mãe. A segunda mais difícil foi cuidar do funeral. Não houve velório. O caixão chegou lacrado e já desceu ao túmulo. Presentes apenas 10 pessoas. Meus tios, alguns primos, dois amigos dele e minha esposa. Alguns dias depois, no dia 1º de maio de 2021, o médico da Santa Casa me ligou e disse que queria conversar comigo sobre meu pai. Eu já sabia o que estava para acontecer, pois foi o mesmo protocolo de meu irmão. Ao chegar lá fui informado do falecimento de meu pai. Em poucos dias estava cuidando de um segundo enterro. Ao contrário do outro hospital, não me deixaram ver o corpo do meu pai. Apenas esperamos no cemitério um segundo caixão lacrado. O mesmo rito, quase as mesmas pessoas. Meus tios, irmãos de meu pai, alguns primos. O senhor Santo Lorenti, o homem forte que eu conhecia como pai, tinha 71 anos de idade. Eu estava emocionalmente dopado naquele momento. Só consegui colocar meus sentimentos para fora várias semanas depois e encarar a realidade.
Na noite do dia em que meu pai foi enterrado, minha mãe levantou a noite para tomar água e desmaiou na cozinha. Foi levada para o hospital e foi internada. E toda a mesma novela se repetiu novamente. Precisou ser entubada por conta da baixa saturação de oxigênio e alguns dias depois fomos chamados ao hospital para ouvir a notícia que ninguém gosta de ouvir. Mais um caixão lacrado e sem velório desceu na mesma sepultura que foi aberta pela terceira vez em menos de 15 dias. A senhora Maria Aparecida Rodrigues Lorenti tinha 64 anos de idade.
Isso marca uma pessoa. Deixa cicatrizes que vão demorar anos para sumir. Esse é o segundo Natal sem minha família. E lembrando novamente de políticas governamentais, na época em que tudo isso aconteceu o meu pai tinha tomado a primeira dose da vacina. Ou seja, o processo de vacinação estava no começo, e estamos falando de 4 meses depois das vacinas começarem a ser distribuídas. Existem estatísticas e estudos mostrando que se o governo tivesse aceitado a primeira proposta, quase 300 mil mortos teriam sobrevivido. Então, sim, eu culpo a política do governo pela morte de minha família. Eu culpo o fanfarrão do senhor Bolsonaro pela morte de todas essas pessoas. E acho que todas as pessoas que votaram nele na última eleição são tão desprezíveis quanto ele. Então, qualquer que seja a força que esteja contra Bolsonaro eu estarei do lado dela sem o menor remorso, sem a menor dúvida.
Gilson, parcamente acompanho seu trabalho, mas corei pela sua dor.
Sinta-se a abraçado
Gilson, primeiramente eu quero dizer que sinto muito, muito, muito pelas suas perdas. Me deparei com sua história por esse mesmo tweet e o seu relato me emocionou, me tirou lágrima dos olhos. É inimaginável a sua dor. E muitas famílias passaram por isso, de enterrar mais de um ente querido em um período tão curto. Sua dor poderia ter sido evitada se as políticas fossem outras, se houvesse preocupação com a saúde, se houvesse humanidade em quem (des)governou o país. O senhor que foi presidente é um ser desprezível, não é digno de nenhum sentimento bom, é sim o culpado pela tragédia que acometeu nosso país na pandemia que sobrevivemos, e sobrevivemos com tanta lacuna em nossa vida, lacunas essas que jamais serão preenchidas. Vivemos tempos sombrios, mas agora é a vez da justiça e de fazermos ele pagar por todo sofrimento causado e tantas famílias desestruturadas que ele deixou. Nossos familiares, amigos jamais serão esquecidos. Será por eles que nos manteremos fortes e na luta.
Receba meu abraço, se quiser.
Fique bem!