Hoje vou falar de velharia. Melhor, vou falar de velharia tosca. A melhor que existe. Em 1986 chegava aos cinemas um filme de terror muito ruim. Trick or Treat, que já em 1986 era um filme B (ou C). Chegou ao Brasil diretamente em VHS com o título de Heavy Metal do Horror. Foi exibido exaustivamente pelo SBT com o título de Rock do Dia das Bruxas. E se você tem perto de 40 anos então há a grande possibilidade de ter visto pelo menos um pedaço desse filme.
No começo da história conhecemos Eddie Weinbauer (Marc Price) um adolescente metaleiro que sofre bullying dos estudantes com visual “New Kids on the Block” de sua escola. Ele é humilhado e colocado em situações vexatórias pelos alunos certinhos que o acham um esquisitão. Apenas duas coisas fazem a vida de Eddie suportável. A sua paixão platônica pela fofinha colega Leslie Graham (Lisa Orgolini) e sua devoção ao mega astro do rock Sammi Curr (Tony Fields), músico com visual que seria caricato hoje, mas que se encaixava perfeitamente no cenário do Glam Rock da década de 80 com roupas exageradas, cabelos cheios de laquê e maquiagem carregada no rosto.
Sammi, que era acusado de fazer apresentações escatológicas e de gosto duvido, estudou na mesma escola de Eddie e iria fazer um show em sua cidade natal na noite do Dia das Bruxas, mas acaba morrendo em um misterioso incêndio um pouco antes. Desolado, Eddie ele procura o DJ Nuke (Gene Simmons), que era amigo de Curr, e esse lhe presenteia com um acetato (um biscoito para quem souber o que é isso) com a gravação do último trabalho da banda de Sammi Curr. O DJ afirma que o último desejo de Sammi era que o disco fosse executado na íntegra à meia noite na rádio. Então ele fez uma cópia em K7 e deixou o disco com Eddie.
Ao executar o disco, Eddie descobre uma mensagem escondida quando o disco é rodado ao contrário (clichê máximo) e, surpresa, Sammi tinha um pacto com o demônio e, toda vez que o disco é tocado, sua alma volta do inferno com o intuito (não muito claro) de vingança. De início esse espírito do mal com purpurina ajuda Eddie a se vingar de seus perseguidores, mas logo ele percebe que Sammi está com sangue nos olhos e quer muito mais do que envergonhar uns mauricinhos. Eddie tem que correr para impedir que a música seja tocada na rádio e afunde a cidade no inferno à meia noite, mas no caminho Sammi tem tempo de tocar no baile da escola e transformar alguns adolescentes em carvão.
A história é muito boba e os efeitos (ou defeitos) especiais são uma vergonha. Além do mais, como assim um metaleiro sofrer bullying de um monte de mauricinhos? Bem, fora Gene Simmons (Kiss) a outra participação especial do filme é Ozzy Osbourne fazendo o papel de um pastor evangélico que tem como cruzada defender a pobre sociedade da música do demônio (bem, isso não mudou muito até hoje). Porém, a única coisa que não é escrota no filme é a trilha sonora.
Todas as músicas que são executadas durante o filme (como se fossem cantadas por Sammi Curr) são da banda americana Fastway. A banda, que teve a sua existência dentro de 1983 a 2011 lançou 7 álbuns de estúdio. Foi formada em 1983 pelo guitarrista ‘Fast’ Eddie Clarke, que tinha saído do Motörhead, e pelo baixista Pete Way do UFO. O grande sucesso do grupo está está restrito aos seus dois primeiros discos, Fastway (1983) e All Fired Up (1984). A banda não teve muito impacto no Brasil, mas se você tem acima de 40 anos (quase chegando nos 50) você vai reconhecer os rifes de guitarra da música Say What You Will de 1983.
O Fastway foi convidado a produzir a trilha sonora do filme e o disco Trick Or Treat, o quarto disco do grupo, foi lançado em 1986 e possui apenas 9 músicas em pouco mais de 30 minutos de duração. Aliás, uma duração normal para os discos da época. Mas meu amigo, é uma paulada do começo ao fim.
O disco pode ser classificado dentro do Glam Rock (ou Rock de Arena) que dominou boa parte da década de 80 e encontramos músicas com melodia, ritmo, refrões grudentos e muita purpurina. Quase todas as músicas do disco aparecem em algum momento do filme, mas temos 3 composições que são executadas quase que na íntegra e são, sem sombra de dúvidas, as melhores do disco. Estou falando de Trick or Treat (que abre o disco), After Midnight (a melhor do disco) e Stand Up (a mais dark). Junto com Eddie Clark (guitarra) temos Dave King (vocal), Shane Carroll (guitarra), Paul Reid (baixo) e Alan Connor (bateria).
Embora o filme seja ruim, a música é muito boa. A primeira vez que vi o filme eu tinha 14 anos e fiquei apaixonado pela trilha sonora. Aluguei o VHS várias vezes só para ouvir novamente. O disco nunca foi lançado oficialmente no Brasil (nem o filme saiu em DVD ou BD). Porém, com a idade chega a sabedoria e aquele ditado que diz “mais vale um gosto do que dinheiro no bolso” me fez finalmente gastar algumas dezenas de reais para ter essa obra em minha coleção. O disco chegou, perfeito, com uma qualidade sonora muito legal (uma raridade em discos de metal da década de 80) e me fez sentir como uma criança com um brinquedo novo.