Eu gosto muito de uma frase do José Medeiros que afirma que “fotografia é o que eu vejo, mas o que eu vejo depende de quem eu sou”. Essa frase alerta que nossa fotografia é carregada de ideologia e da forma que enxergamos o mundo. Duas pessoas registrando a mesma manifestação vão contar histórias diferentes, dependendo de seu posicionamento em relação ao evento. Junte a isso o fato de que a fotografia nunca foi uma manifestação da realidade, visto que manipulações existem desde o começo da tecnologia fotográfica. Stalin era o maior fã dessas manipulações ao sumir com desafetos políticos de fotos histórias. Com a fotografia digital isso ficou mais fácil, pois qualquer um munido de um programa de edição de imagens, como o Photoshop, pode sumir ou inserir elementos em suas imagens para melhorar a estética ou esconder algo indesejável. Eu mesmo me sinto mais cirurgião plástico do que fotógrafo em alguns ensaios fotográficos que realizamos onde a nossa cliente quer várias mudanças em sua aparência para ficar mais bonita. O Instagram, o principal aplicativo de compartilhamento de fotos possui vári0s filtros para deixar o usuário mais “bonito”. Então, mudar a realidade de uma imagem não deveria deixar mais ninguém assustado, embora seja extremamente errado do ponto de vista da ética.
Um desses casos, onde a ética não foi levada em conta, aconteceu na Escócia e foi revelado pelo jornal Daily Mail. Fotografia escolar é um ramo muito lucrativo dentro da fotografia. Equipes fotográficas aparecem na escola, geralmente uma vez por ano, e fazem fotos individuais das crianças e também da turma inteira junta. Os pais recebem uma proposta de compra dessas imagens em um álbum bonitinho com a foto individual e também com a foto da turma. Essa mesma empresa pode voltar em datas comemorativas como o Dia das Mães e Dia dos Pais. Um negócio com grandes possibilidades de lucro onde a escola, invariavelmente, leva uma porcentagem das vendas ao permitir que a equipe fotografe os alunos.
Na Escola Primária Aboyne da Escócia não foi diferente. A equipe fotografou as turmas e em uma delas algo peculiar aconteceu. A turma possuía três alunas com algum tipo de deficiência. As famílias receberam dois links para escolha e compra das fotos. Em um link a turma inteira estava preservada na foto. Em outro link os três alunos com deficiência foram retirados digitalmente das imagens. Assim as famílias teriam a opção de ter uma foto sem esses alunos de aparência diferente.
Claro que o caso virou um escândalo onde até o Primeiro Ministro da Escócia se envolveu ao exigir explicações e reparações. Natalie Pinnell é uma das mães cuja criança foi apagada das fotos e ela conta que “você não pode apagá-los porque são inconvenientes. Simplesmente não está tudo bem. É devastador ver seu filho ser apagado de uma foto ou dar aos pais a escolha de se ele deve ou não ser incluído. Ela é o ser humano mais lindo. Quem poderia fazer isso?”
O dono da empresa fotográfica, Terence Tempest, disse que entende a frustração dos pais e que não sabe exatamente o que aconteceu. Segundo ele, provavelmente, foi uma atitude do fotógrafo freelance que trabalhou na escola. Mas, essa conversa é muito estranha, pois quem envia as fotos e realiza a venda é a própria empresa e não o fotógrafo. Outro indicativo de que é uma prática dessa companhia é que a mesma coisa aconteceu ano passado em uma escola de Camborne, na Cornualha, onde uma menina com necessidades especiais de 10 anos de idade foi retirada digitalmente da foto da turma escolar.
Sinceramente, espero que esse incidente gere um processo gordo e dispendioso para a empresa e que eles aprendam que o mundo é um pouco mais complexo do que eles pensam e que pessoas possuem sentimentos e a ética deve ser respeitada sempre.