Fotos da Lua: onde estão as estrelas?

Acho que todo mundo sabe que o homem já chegou até a Lua. E isso na década de 60. Podemos questionar a coragem dessas pessoas ao desafiarem o espaço com tecnologia que chamamos de primitiva hoje, mas eles conseguiram. Foram 11 missões Apollo e a última que pisou na Lua foi em 1972. Porém, existem várias teorias da conspiração que dizem que foi tudo armação, que todos os pousos na Lua foram filmados com tecnologia de cinema aqui na Terra mesmo. Essas pessoas diziam que não havia tecnologia suficiente para levar o homem até a Lua naquela época. E um dos pontos que eles levantam é que todas as fotos e filmagens que foram feitas na Lua sempre mostram o céu totalmente negro, sem a existência de estrelas. A lógica dessas pessoas é que no espaço, sem a presença de atmosfera, as estrelas deveriam aparecer. Mas, esse fato pode ser explicado facilmente ao entender um pouco da tecnologia fotográfica.

Para entender o motivo de não podermos ver as estrelas em uma foto da Lua, temos que levar em conta três coisas: a latitude de exposição (e em consequência a amplitude tonal da cena fotografada), o processo de fotometria e os princípios básicos da astrofotografia. Lembrando que vou apenas pincelar cada tema. Qualquer um deles renderia um livro completo.

Antes de começar, vamos falar sobre um pequeno conceito. Nós medimos distância em metros, peso em quilos e volume em litros. Na fotografia nós medimos luz em EV (Valor de Exposição). Em fotografia, rotulou-se valor de exposição, ou EV, o resultado das combinações possíveis entre o conjugado da velocidade do obturador, da abertura do diafragma e da sensibilidade ISO que levam a uma mesma exposição. A escala em EV é decimal, com cada unidade correspondendo a um “ponto” fotográfico. O aumento de valor na escala EV significa uma exposição em dobro. Ou seja, se eu digo que uma foto está com 1 ponto de luz a mais (1 EV a mais), eu estou dizendo que ela tem o dobro de luz necessária para fazer a imagem. Se eu digo que ela tem 2 pontos de luz a mais, estou dizendo que existe na imagem 4 vezes mais luz do que o necessário para fazer a foto. Sim meu amigo, é complicado. Indico esse vídeo que gravei muito tempo atrás para entender essa bagaça.

Fotometria

Fotometria, como diz o nome, é o processo de medir a luz na fotografia. Para isso, existe um equipamento chamado fotômetro. Existem fotômetros externos, que chamamos de fotômetro de mão, e nossas câmeras possuem um fotômetro interno. O fotômetro interno da câmera utiliza a luz refletida e ele tenta calcular uma média que chamamos de cinza 18%. O fotômetro não sabe o que você está fotografando, ele tenta apenas zerar sua medição transformando tudo em cinza 18% (o cinza com tonalidade de 18% reflete 50% da luz que ele recebe). Por isso que o fotômetro possui limitações. Quando a cena é composta por objetos muito claros ele tenta transformar aquilo em cinza 18% e o resultado é uma foto subexposta. Quando a foto é composta por objetos muito escuros o fotômetro também tenta transformar a cena em cinza 18% e as fotos ficam superexpostas. Isso não é um defeito do equipamento, e sim uma limitação. Todo mundo sabe que isso acontece (ou deveria saber) e interfere nas regulagens na hora de fazer uma foto com essas complicações. Infelizmente, equipamentos que trabalham no modo automático, como a maior parte dos celulares, acaba produzindo fotos com problemas.

Dentro do visor da câmera temos uma pequena régua onde a leitura vai mudando conforme as regulagens da câmera. Ao zerar essa régua, teoricamente, a exposição na foto está correta, mas não é sempre isso que acontece. É necessário ter cérebro para interpretar o resultado.

Latitude de Exposição

Latitude de exposição, muito resumidamente, é a capacidade de um sensor fotográfico, ou filme fotográfico, de registrar, na mesma imagem, zonas claras e escuras. Caraca, mas o que isso quer dizer? Imagine uma foto de paisagem com um céu azul maravilhoso, zonas iluminadas pelo sol e zonas com sombras intensas. O nosso olho consegue perceber os detalhes tanto das zonas mais claras quanto mais escuras. Mas, isso não acontece com a fotografia. Então dizemos que essa cena tem grande amplitude tonal (zonas de sombra e zonas muito iluminadas na mesma foto).

Existem câmeras com diferentes latitudes de exposição, assim como também existem filmes fotográficos com diferentes latitudes de exposição. A média é que qualquer sensor teria, pelo menos, 3 pontos de latitude de exposição. Isso quer dizer que, levando em conta a quantidade adequada de luz para capturar uma imagem, eu poderia deixar entrar mais 3 pontos de luz (8 vezes mais luz) sem meu cinza médio virar um branco total sem informação, ou deixar entrar 3 pontos a menos de luz (8 vezes menos luz) sem meu cinza médio virar um preto total sem informação.

Dessa maneira, a foto da paisagem é quase uma situação impossível, pois se eu regulo minha câmera para captar o céu azul perfeito, as zonas da foto com 3 pontos a menos de luz vai virar um escuro sem informação. Se eu regulo minha câmera para capturar os detalhes da zona com sombras, as áreas com mais de 3 pontos de luz (provavelmente o céu azul), vai estourar em um branco sem informações.

Então, cada sensor ou filme terá uma latitude de exposição e cada cena a ser fotografada terá sua própria amplitude tonal.

Lembrando que imagens capturadas em RAW possuem mais latitude de exposição do que imagens produzidas em JPEG. Quer entender esse conceito na fotografia de paisagem? É só dar uma olhada nesse link.

Astrofotografia

Fotografar o céu estrelado é algo que deve ter começado logo que a tecnologia fotográfica permitiu isso. E você não precisa investir muita grana para essa prática. Você precisa de uma câmera (uma DSLR de preferência), uma lente grande angular para paisagens e um tripé. Pronto, só isso. Claro que a brincadeira pode ficar mais cara ao comprar um telescópio, ou uma base motorizada para acompanhar o movimento de rotação da Terra. Mas, com equipamento básico é possível fazer uma foto como essa:

Hernán Stockebrand – Canon 60D, Lente 50 mm, velocidade: 30 s, ISO 6400

Ou essa

Mesmo em uma região iluminada é possível brincar – Foto de José Roberto Pireni

O que importa nesse tipo de fotografia é que as estrelas emitem pouca luz (quando falamos em tecnologia fotográfica) e para que elas sejam registradas é necessário uma longa exposição com ISO alto. Ou seja, o obturador da câmera deve ficar aberto por 30 segundos captando a luz. Nessas condições é razoavelmente fácil fazer uma foto desse tipo, mas é importante a câmera estar bem estabilizada no tripé e o tempo de exposição ser suficiente para captar a fraca luz das estrelas. Lembrando que a foto vai precisar de um pouco de edição depois para realçar o que você quer mostrar.

E as fotos da Lua?

Nesse momento entramos no problema que os questionadores da ida do homem até a Lua não entendem (ou se recusam a entender). Vejam a foto abaixo:

Essa imagem foi feita em 2009 com uma Canon Rebel XSi com uma lente 70-300mm da Sigma. Muita gente acha que fotografar a Lua exige regulagens extremas do equipamento. Mas, ao contrário, a Lua reflete muita luz. Essa foto foi feita com ISO 100, velocidade 1/125 e abertura em f/11. Haviam estrelas no céu noturno nesse dia? Claro que sim. Mas, é uma cena com amplitude tonal absurda. A diferença de luz emitida pela Lua e as estrelas é gigantesca. Então, se você regula seu equipamento para a correta exposição da Lua, a latitude de exposição do sensor não permitiu que as luzes das estrelas fossem captadas.

A mesma lógica pode ser aplicada a essa foto, mostrando a Lua e a Terra no mesmo enquadramento:

A Terra e a Lua, corpos que refletem muita luz, tiveram sua representação garantida, mas a latitude do sensor não permitiu que as estrelas fossem representadas na foto. Mesma coisa com as fotos feitas pelos astronautas na Lua.  Lembrando que  a tecnologia da fotografia na década de 70 era muito inferior ao que fazemos hoje.

O comandante da missão da Apollo 17, Eugene Cernan, segura o canto inferior da bandeira dos EUA durante o primeiro passeio lunar da missão, em 12 de dezembro de 1972.

Viram como é simples? Não é uma teoria da conspiração, mas apenas uma limitação dos equipamentos fotográficos. Pode ser que em mais alguns anos teremos sensores com latitude de exposição bem maior, mas no momento é o que temos, e é suficiente para grandes imagens.

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